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Fictícias e vivas

Vou celebrar o livro que estou a ler atualmente. O título dele é A bicicleta que tinha bigodes e o autor chama-se Ondjaki

A história é narrada por uma criança que quer ganhar uma bicicleta num concurso nacional: quem escreve a melhor história vai receber o prêmio. 

Já no início, o mundo coloca problemas à criança. O concurso foi anunciado na televisão, mas, como a criança descreve, ‘nesse dia na nossa rua não havia luz.’ E continua assim: os outros miúdos acham que o concurso é fraudulento; a criança não tem ‘jeito nenhum para essa coisa de estórias’; o escritor que vive na mesma rua não ajuda a escrever essa história. 

O que se destaca nesta história são as ideias e as ações das crianças. Observam o que as rodeia, tanto os animais como os adultos. E usam uma lógica clara e direta para compreender o mundo e para tomar decisões. 

Por exemplo Isaura, a amiga do narrador, costuma observar com atenção os bichinhos no quintal dela (e até lhes dá nomes dos presidentes). Um dia ela diz que a lesma Senghor está adoentada e está parada.

   – Como é que sabes? – pergunta um miúdo – És médica de lesmas?
   – Não, mas sei quando não estão bem. São como as pessoas. – responde Isaura. 
   – Fazem quê?
   – Não visitam os outros.

Nunca estive em Angola, onde se passa esta história, mas conheço crianças que são muito parecidas com as da história. Estas crianças são fictícias mas muito vivas. 

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