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Tudo pode ser conectado

Em março tive uma reunião com Inês Pina, a coordenadora da Educação Artística (Artes) de Serralves. Falámos de festivais, de desenhar nas mesas escolares e de como conectar várias e diversas opiniões sobre arte.

A conversa foi em inglês e começou no atelier educativo; continuou durante uma rápida visita às galerias. A Inês mostrou-me a nova ala e as duas obras que ela tinha escolhido para responder às minhas duas últimas perguntas. Depois da conversa eu traduzi em português. Qualquer erro no português é meu. 

Lawrence Bradby: No Reino Unido trabalhei no serviço educativo de vários museus. Gostaria de saber mais sobre o ensino em museus em Portugal. Como é que funciona? Quais são as prioridades? A minha primeira pergunta é sobre a sua experiência profissional: cá em Serralves qual o projeto em que mais gostou de trabalhar?

Inês Pina: Comecei a trabalhar em Serralves em fevereiro de 2023. De todos os projectos do último ano, houve dois que me agradaram particularmente. Um foi o Serralves em Festa. É uma grande celebração, um festival gratuito que dura 50 horas. Há muita gente dentro do museu. É uma das melhores formas de celebrar o que fazemos aqui durante todo o ano, mas para um público mais alargado. E eu estava a programar coisas que normalmente não programo - música, circo e teatro. 

Houve outro projeto que gostei muito. Estava a começar no momento em que cheguei a este novo emprego, por isso foi um dos primeiros projectos que fiz. Chamava-se Frequencies, do artista Oscar Murillo. A ideia é que há telas agrafadas nas mesas dos alunos na escola. As telas ficam lá durante seis meses porque o artista quer que os alunos se esqueçam que estão a fazer aquilo. 

L: Então, ele não quer que os alunos respondam à uma novidade, quer que faça parte da vida normal da escola?

I: Tem de ser informação em bruto. Oscar Murillo é colombiano, mas mudou-se para Londres quando tinha dez anos e quer abordar questões de identidade. O que é que o globalismo traz às noções de identidade? Os miúdos desta idade têm os mesmos padrões ou padrões diferentes consoante o local onde vivem?

Serralves foi o mediador entre o atelier do artista e as escolas. Tive a oportunidade de ir a todas as escolas e fazer uma apresentação sobre o projeto. 

Há muitos limites que entram neste projeto. Antes de mais, tive de dizer aos alunos que podiam escrever ou desenhar o que quisessem.

L: Não proibiu nada, como discursos de ódio?

I: O que eu disse aos professores é que o artista queria que estas telas fossem absolutamente representativas. Podem tornar-se um campo de batalha, mas também podem tornar-se um local de diálogo. Se temos discurso de ódio, também temos alguém a escrever por cima e a iniciar um diálogo. Em vez de dizer 'Não escrevas isso, é proibido', o professor pode dizer 'Encontrei isto numa das mesas’ e usar isso como uma oportunidade para discutar. 

L: Disseste que gostava de visitar essas escolas. As escolas com quem trabalhava eram escolas com as quais Serralves não tinha trabalhado antes?

I: Não, eram todas escolas que já tinham trabalhado com Serralves. O projeto estava aberto a escolas do norte de Portugal: havia escolas de Aveiro, Bragança, Armamar, Matosinhos, entre outras. Quando apresentei o projeto, apercebi-me de que, apesar de os professores terem trabalhado connosco, a maioria das crianças não tinha ouvido falar de Serralves. Não estava à espera disso. 

Foi importante este projeto ter acontecido porque agora todos os grupos escolares vêm cá ver a exposição final. Querem ver o que os outros alunos da idade deles escreveram nas telas. Em termos de projetos escolares e de interação direta com as escolas, este foi um dos meus preferidos. 

L: Como é que funcionam as visitas das escolas a Serralves?

I: Quando cheguei, há um ano, quis reformular o programa educativo. Queria incluir o parque, o museu, todos os espaços. E queria ver quais eram as ligações entre as nossas várias atividades. Queremos que o programa seja fácil de ler, por isso planejamos um máximo de quatro atividades por cada ciclo escolar. Oferecemos actividades de arquitectura e cinema a alguns ciclos, mas não a todas.

Os grupos escolares vêm cá por um período máximo de duas horas. Não podemos esperar que tenham uma aula de arte durante esse tempo. A visita é uma oportunidade para verem meios diferentes, artistas diferentes, obras de arte diferentes. Isto vai influenciar os alunos de alguma forma; mesmo que não se dediquem à arte, aprendem sobre o contexto, sobre as competências que se podem aprender para alcançar o que se quer fazer.  

No outro dia, durante uma visita a uma escola, tivemos uma conversa sobre um dos primeiros pintores abstratos em Portugal. Ele interessava-se muito pela ciência. Até desenhou uma sala de astronomia para uma escola secundária aqui no Porto. 

L: Como é que ele se chama?

I: Fernando Lanhas. Ele estava muito interessado em ter as medidas correctas e os números exactos. Temos uma obra de arte dele que é um mapa de todos os meteoritos que atravessaram Portugal ou caíram em Portugal desde o século XVIII. 

L: Isso estava exposto lá embaixo, na exposição escolhida pela escritora, err, escrevi o nome dela no menu caderno.... Augustina Bessa-Luís?

I: Sim. 

L: Esse mapa é tão poético. Os meteoritos claramente não respeitam as fronteiras nacionais, mas o mapa utiliza as fronteiras de Portugal para determinar quais meteoritos são ou não mostrados. 

I: O que acontece com o trabalho do Lanhas é que ele dá aos grupos escolares a noção de que tudo é válido. Qualquer um dos seus interesses pode se tornar um projeto de arte. Da mesma forma, se você trabalha com ciências, pode trazer outras disciplinas para ajudá-lo.

L: Isso nos traz de volta ao que estavas a dizer sobre os benefícios da vinda de grupos escolares para cá: as crianças podem aprender habilidades diferentes. Eles podem experimentar uma ampla variedade de coisas, algumas das quais podem retornar mais tarde.

I: Não faço a mediação de grupos escolares com muita frequência no momento, mas preciso desse contato. Vale a pena fazer isto. Eu trabalhava em um museu de comunicação que tratava de ciência e tecnologia. E essa experiência era muito mais prática. Por exemplo, Morse, que inventou o código morse, era pintor. E um dos primeiros equipamentos telegráficos foi inventado por um pianista. Este aspecto interdisciplinar é muito relevante para as escolas.

Sou um educador. Isso é muito específico para mim. Posso trabalhar com todos os tipos de coleções — telefones, selos, cinema. O importante é dar sentido aos objetos, fazer uma narrativa.

L: Então o teu papel em diferentes museus tem sido lembrar aos artistas que os cientistas são importantes e vice-versa. 

I: Trabalhar entre disciplinas é muito importante. Quando olhamos para as competências de aprendizagem listadas nos documentos do Ministério da Educação, vemos que o trabalho interdisciplinar já é incentivado. Num ambiente escolar não é tão fácil envolver diferentes disciplinas dentro de um tema, mas nos museus podemos estabelecer essas conexões. Nas duas horas que eles estão aqui conversamos sobre matemática, geometria, poesia. Eventualmente eles se interessam por um artista ou querem voltar.

Ainda me lembro da primeira vez que vim a Serralves. É muito vívido. Tive a sensação de que não entrei em outros museus. Tive a sensação de que aquele era um espaço livre: podia ir para onde quisesse, dentro e fora dos edifícios, e escolher o que queria ver.

Tive um grupo recentemente e fiz uma pergunta e ninguém disse nada. Então eu disse a eles: ‘Vocês vão responder; isto não vai funcionar se não falarmos.’ Eles têm medo de dizer a coisa errada, mas não há respostas erradas. Mesmo que um aluno diga algo mais distante do esperado, mesmo que você tenha que dizer que não é isso que você procurava, você sempre pode validar a resposta dele. Você sempre pode conectá-lo. 

L: Você quer dizer que pode apoiar a pessoa que disse algo inesperado e fazê-la sentir que sua contribuição foi válida?

I: Sim! É por isso que somos mediadores, porque vamos conectar o que o aluno diz com algo relevante. Esta é a melhor e mais difícil parte do nosso trabalho, ter um grupo de 20 ou 25 pessoas à sua frente e conectar tudo isso para que seja valioso para todas as pessoas que estão presentes. No grupo você provavelmente tem 25 ideias diferentes sobre uma obra de arte. É o que os artistas fazem – oferecem-nos obras de arte que podem conter muitos significados interligados.

L: Tenho duas perguntas finais. A primeira é: que obra de arte é mais popular entre as crianças nas visitas das escolas EB1?

I: Há uma obra de arte na ala nova com um piano que toca sozinho e balões coloridos e luzes piscando (Philippe Parreno, Quasi Objects: Marquee (cluster), Disklavier Piano, My Room is a Fish Bowl, 2014). Um pai me disse que assim que sua filha chegasse ao quarto onde está esta obra, ela só queria ficar lá. Ele perguntou por que colocamos a melhor obra de arte na metade, e acrescentou: Agora não consigo ver mais nada.

L: Que obra de arte gostaria de ter em casa durante um mês?

I: Obviamente que não posso levar nada do museu para casa, mas se pudesse seria uma pequena pintura de Tala Madani chamada “Flashlight in the mouth” (óleo sobre tela, 2013). 

I: Gostei ainda mais dele depois de ouvir a explicação da artista - é sobre pessoas que se julgam iluminadas. A artista também diz que o tamanho dos seus quadros consoante o tamanho da emoção - quanto maior a emoção ou a dificuldade, mais pequeno é o quadro para conter essa energia perigosa. E eu fiquei surpreendida com o tamanho realmente pequeno do quadro quando o vi pela primeira vez.

Gostava de o ter ao lado da porta de entrada para olhar para ele antes de sair para o mundo entre pessoas que se julgam iluminadas. Um espelho de humildade antes de sair de casa.

L: Estou definitivamente iluminada depois desta discussão. Obrigado Inês. 

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