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Curiosidade e distanciamento / Curiosity and detachment

Sob Céus Estranhos é um romance de Ilse Losa.

Losa era um refugiado judeu alemão. Deslocou-se em Portugal em 1934. O romance tem lugar no Porto logo após a 2ª Guerra Mundial. O personagem principal é um jovem alemão chamado José. Ele ja viveu na cidade durante uns anos e fala a língua. Tem amigos à sua volta, mas mantém o distanciamento de um imigrante. 

Leio devagar quando o texto está em português. Até agora, o romance mostra os passeios nocturnos de José enquanto a sua mulher está em trabalho de parto no hospital. A dada altura, durante a noite, ele pensa num amigo e pergunta-se se o deveria visitar. Ele lembra-se dos edifícios em redor da casa do seu amigo:

As casas velhas, estreitas, arbitrariamente altas e baixas, de dia pitorescas com as fachadas de azulejos e os balcões de ferro, distinguindo-se agora apenas pelo contraste das dimensões, talvez evocassem alguma coisa do passado, quem sabe? Mas a um estrangeiro, como ele, não diziam nada, não lhe inspiravam essa nostalgia que podem sentir os indígenas por se suporem a continuação desse passado do qual ele, o estrangeiro, não participava, não só pela sua origem mas sobretudo porque a nostalgia de um passado histórico se cultiva na infância, tal como os usos e os costumes. O estrangeiro, quando muito, pode admirar, gostar, achar curioso, mas não se enternece nem se orgulha. As lutas e glórias dum país que não é o seu permanecem - lhe alheias porque a infância foi - lhe povoada de outras lutas e glórias, e a sua nostalgia é, por consequência, outra também. Era por isso que às vezes, mesmo depois de viver vários anos naquela cidade, ao deambular pelas ruas punha a si próprio a pergunta: Mas que estou eu aqui a fazer? Porque é que ando por estas ruas? 

Noutro ponto, visita a embaixada americana para solicitar um visto. O homem no gabinete de vistos pergunta-lhe porque quer emigrar. A sua resposta: Não estou a emigrar, estou a continuar a viagem que começou quando deixei a Alemanha.

A minha vida não é nada parecida como a de José, mas o seu distanciamento do local onde vive é descrito de forma viva por Losa. Reconheço esses sentimentos e faço a mim próprio as mesmas perguntas.



Under Strange Skies is a novel by Ilse Losa.

Losa was a German Jewish refugee who settled in Portugal in 1934. The novel is set in Porto just after World War 2. The main character is a young German called José. He has lived in the city for several years. He speaks the language and he has friends around him, yet he retains an immigrant’s detachment made stronger by the horror and bewilderment he feels as he remembers his treatment in Germany during the Nazi era.

In Portuguese I read slowly. So far, the novel has tracked José’s nighttime wanderings while his wife is in labour in the hospital. At one point during the night, he thinks of a friend and wonders whether to visit him. He remembers the buildings around his friend’s house:

The old houses, narrow and arbitrarily high or low, picturesque in the day with their tiled façades and iron balconies, now distinguished only by the contrast in their size, perhaps evoked something of the past, who knows? But to a foreigner like him they meant nothing; they did not inspire that nostalgia that the natives can feel because they suppose themselves to be the continuation of that past in which he, the foreigner, did not participate, not only because of his origin but above all because the nostalgia for a historical past is cultivated in childhood, just like habits and customs. The foreigner may, at most, admire them, like them, find them curious, but the foreigner is not moved or proud. The struggles and glories of a country that is not his own remain alien to him because his childhood was peopled with other struggles and glories, and so his nostalgia is also different. That is why sometimes, even after living several years in that city, when wandering the streets he would ask himself the question: What am I doing here? Why am I walking through these streets?

At another point he visits the American embassy to apply for a visa. The man in the visa office asks him why he wants to emigrate. His reply: I’m not emigrating, I’m continuing the journey that began when I left Germany.

My life is not at all like José’s but his detachment from the place he lives is set out vividly by Losa. I recognise it and I ask myself the same questions.

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